17 Ocorrências: Mt 26:28; Mc 1:4; 3:29; Lc 1:77; 3:3; 4:18,19; 24:47; At 2:38; 5:31; 10:43; 13:38; 26:18; Ef 1:7; Cl 1:14; Hb 9:22; 10:18.
A palavra costumeiramente traduzida no Novo Testamento como “remissão” (áphesis no original grego) literalmente significa “libertação”, “soltura” ou “alívio”. Este é o sentido primário de áphesis, cujo sentido secundário carrega a ideia de “perdão”.
No entanto, há somente uma passagem onde, na maioria das versões, áphesis é traduzida literalmente com a ideia de “libertação”, que é quando Jesus faz a leitura do livro do profeta Isaías:
“O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados de coração, a pregar liberdade aos cativos, e restauração da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor.”
(Lucas 4:18,19)
O que foi traduzido como “liberdade” na passagem acima é a tradução literal de áphesis. Porém, nas demais passagens onde o mesmo termo grego aparece, a maioria dos tradutores optou por traduzi-lo como “remissão”.1 O problema é que remissão não é o sentido prioritário de áphesis, de modo que este termo só deveria ser traduzido desta maneira se o contexto obrigue haver tal interpretação. Vejamos, por exemplo, a primeira ocorrência de áphesis no Novo Testamento, com sua tradução em destaque:
“E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados.”
(Mateus 26:27,28)
Agora, vejamos o mesmo versículo com áphesis sendo traduzido no seu sentido primário:
“E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para libertação dos pecados.”
(Mateus 26:27,28)
Ora, “libertação” é algo mais poderoso e duradouro do que apenas “remissão”. Uma pessoa pode ter a remissão dos pecados, ou seja, o perdão de pecados cometidos, mas continuar escravizada ao pecado, não tendo condições para não mais cometê-lo. Por outro lado, se uma pessoa é liberta dos pecados, isso significa que, além do perdão, ela terá condições de viver em perfeita santidade e justiça, não sendo mais escrava do pecado. Tal compreensão está de acordo com outras passagens bíblicas, tais como, por exemplo:
“Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado. Ora o servo não fica para sempre em casa; o Filho fica para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.”
(João 8:34-36)
Mas agora, libertados do pecado, e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificação, e por fim a vida eterna.
(Romanos 6:22)
Nos dois exemplos acima, onde liberdade e servidão estão sendo comparados, o que foi traduzido como libertar é o verbo grego ἐλευθερόω (eleutheróō) cujo sentido é estritamente o de se colocar alguém em liberdade. Tal verbo não foi utilizado em Mateus 26:28, ou em outros versículos onde áphesis aparece, pois nestas passagens há também a ideia de perdão, mas com a libertação sendo a sua consequência perceptível. Ou seja, se alguém realmente foi perdoado dos seus pecados, tal pessoa terá condições de andar em novidade de vida, não sendo mais escrava do pecado como outrora.
Necessitamos então compreender que áphesis não se trata somente de uma remissão de pecados, mas também da possibilidade de que consigamos não mais cometê-los. Porém, quando alguém não tem esse entendimento, pode imaginar erroneamente que a conversão a Cristo seja apenas receber o perdão de pecados dos quais ele ainda continuará escravo. Tal ideia é muito prejudicial, pois perverte a fé que o Senhor espera que tenhamos no poder libertador do seu sacrifício por nós na cruz. Ora, se alguém não acredita que possa ser transformado, então nunca será. Mas, se alguém confia plenamente que pela fé em Cristo será liberto da escravidão do pecado, então isso lhe sucederá.
Portanto, toda vez que lermos versões onde “remissão”, ou “perdão”, é a tradução de áphesis, não nos esqueçamos de que o seu sentido é ainda mais profundo, pois trata-se de um perdão que vem acompanhado de verdadeira libertação.2Notas:
1. Uma exceção é a tradução de Frederico Lourenço, renomado erudito em línguas antigas. Em sua versão do Novo Testamento, traduzida diretamente do grego koiné para o português, Lourenço optou por traduzir áphesis como “libertação” em certas passagens, tal como no exemplo a seguir:
“E, tomando um cálice e dando graças, deu-lhes, dizendo: Bebei todos deste [cálice], pois isto é o meu sangue da aliança, sangue derramado por muitos para libertação dos erros.”
(Mateus 26:27,28)
2. A verdadeira libertação em Cristo não deve ser interpretada como “impossibilidade para se cometer algum pecado”, mas apenas como a possibilidade de se viver em novidade de vida – uma regeneração que ocorre por meio da atuação conjunta da Palavra e do Espírito Santo em todo salvo pela fé em Cristo. Confira: Jo 3:5; 15:3; Ef 5:25-27; Tt 3:5; Tg 1:18; 1Pe 1:22,23; 1Jo 5:3,4,18.