O termo transliterado para o português como “amém” tem o sentido de aprovação ou confirmação de algo proferido, podendo ser traduzido como “assim seja” ou “certamente”. No Antigo Testamento o “amém” era utilizado para demonstrar aceitação de um juramento ou de uma sentença (p.ex.: Nm 5:22; Dt 27:15ss; 1Rs 1:36; 1Cr 16:36; Sl 41:13).
Porém, Jesus trouxe uma inovação no uso do “amém”, utilizando-o de duas formas surpreendentes. Primeiro, não para aprovar o que outras pessoas diziam, mas a respeito do que ele mesmo estava afirmando; e, segundo, utilizando o “amém” no início de suas sentenças, e não no final. Com isso, Jesus causou um grande impacto em seus ouvintes, pois os ensinava como tendo autoridade nele mesmo (Mt 7:29).
O uso que Jesus fez do “amém” não costuma ser percebido pois a maioria das versões em português o traduziram como “em verdade”.1 Porém, há tradutores que decidiram manter o termo transliterado, como se vê nos exemplos a seguir:
“Amém vos digo: quem não receber o reino de Deus como uma criança, não entrará nele.”2
Marcos 10:15
“Amém, amém vos digo: caso alguém a minha palavra conserve, não contemplará a morte para sempre.”3
João 8:51
É importante salientar que “amém” não é um termo grego, mas se trata de uma transliteração do hebraico אָמֵן ('āmēn). No entanto, os autores dos Evangelhos poderiam ter traduzido esse termo, transmitindo o seu significado, ao invés de tê-lo apenas transliterado. Por que não o fizeram? Acredita-se que seja porque Jesus pronunciava “amém” tantas vezes nos seus ensinamentos, que o “amém” se lhe tornou uma característica própria, a qual quiseram preservar nos Evangelhos. Em conformidade com isso, no Apocalipse o próprio Jesus Cristo chama a si mesmo de “o Amém” (Ap 3:14).
1. Duas exceções são as traduções de Frederico Lourenço e de Marcelo Musa Cavallari, onde eles optaram pela transliteração do grego amén em todas as ocorrências. Segue a explicação de Lourenço: “Ainda que o sentido de ‘em verdade vos digo’ seja correto, encher as páginas dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas com a palavra ‘verdade’ falseia um dado fundamental que deve estar discernível na tradução. E o dado é este: Mateus, Marcos e Lucas praticamente nunca usam a palavra ‘verdade’ (alêtheia). Mateus só a emprega uma única vez (22:16); Marcos e Lucas empregam-na, cada um deles, três vezes. Por outro lado, a palavra é marca típica do Evangelho de João, que a usa mais de vinte vezes. [...] Não sendo [amén] uma palavra que ocorra frequentemente no AT na versão LXX, podemos ver na sua retenção no texto grego dos Evangelhos uma vontade de colorir as palavras gregas de Jesus com uma palavra hebraica/aramaica que tipicamente lhe era própria – e por isso a retenho na tradução.” Novo Testamento: os quatro Evangelhos – São Paulo, Companhia das Letras, 2017, pp. 44 e 75.
2. Tradução de Frederico Lourenço em Novo Testamento: os quatro evangelhos – São Paulo, Companhia das Letras, 2017.
3. Tradução de Marcelo Musa Cavallari em Os Evangelhos: uma tradução – SP, Ateliê Editorial, Mnema, 2020.