O termo grego eklektós significa “eleito”, ou “escolhido”, sendo por essas duas formas traduzido nas versões do Novo Testamento em português. As referências acima foram separadas entre ocorrências no singular e no plural, pois algo importante se percebe quando comparamos essas passagens, tal como veremos a seguir.
Das sete ocorrências de “eleito”, no singular, seis delas referem-se diretamente a Jesus Cristo, ou à sua igreja. A única aparente exceção encontra-se em Romanos 16:13, onde, no entanto, especifica-se que Rufo é “eleito no Senhor”.1 Ora, isso significa que Rufo podia ser chamado de eleito apenas por ele estar no Senhor, ou seja, em Cristo. O versículo não está insinuando que Rufo, como indivíduo, tenha nascido com a sorte grande (!) de ser eleito para a salvação, isto é, com o destino traçado por Deus para inevitavelmente converter-se a Cristo. O fato é que não há um só versículo do Novo Testamento que transmita a ideia de uma eleição individual, a não ser a do próprio Filho de Deus, escolhido previamente pelo Pai para ser o Cristo, nosso único Senhor e Salvador (cf. Lc 23:35).2 Notemos que Pedro chamou Jesus Cristo de “a principal pedra de esquina, eleita e preciosa”, e chamou a todos que a ele se unem de “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1Pe 2:4-9). Ou seja, a eleição está em Cristo, pois aqueles que se unem a ele passam a fazer parte da sua natureza – tendo em conta que o termo traduzido como “raça” é o grego genos, cujo significado principal tem o sentido de “gênero famíliar”.
Quanto às dezesseis outras ocorrências,3 mencionando eklektós no plural, como “eleitos” ou “escolhidos”, tais passagens apenas confirmam que se trata de uma eleição coletiva, não individual. Ou seja, em sua presciência, Deus escolheu ter uma família por meio de seu Filho unigênito, Jesus Cristo, regenerando a todos que a ele se unem conforme a sua imagem – motivo pelo qual Jesus foi chamado de “o primogênito entre muitos irmãos”. Sendo assim, o convite para se fazer parte da família de Deus está aberto para todos, bastando que acertem com o único Caminho para o Pai, que é Cristo.
Portanto, o único eleito, de modo singular, é Cristo. A singularidade está nele. Quanto aos eleitos, no plural, assim são chamados todos quanto estão em Cristo, e nele permanecem. Sendo assim, ninguém pode bater no peito e dizer acerca de si mesmo: “eu sou um eleito”, pois tal atitude seria usurpar a glória que somente ao Senhor pertence. O máximo que alguém convertido a Jesus Cristo pode afirmar é “sou um eleito no Senhor”, pois a segurança da eleição está em permaneceremos nele.
Notas:
1. A “senhora eleita” mencionada na segunda epístola de João trata-se de um eufemismo para uma congregação. A Bíblia de Estudo Nova Almeida Atualizada comenta o seguinte a esse respeito: “Muito provavelmente a expressão se refere a uma congregação, e não a um indivíduo, visto que a maior parte de 2João está escrita na segunda pessoa do plural. Também se questiona se João iria escrever, para uma cristã do sexo feminino, nestes termos: ‘peço-lhe... que nos amemos uns aos outros’ (v. 5); a frase faz mais sentido se dirigida a uma igreja. Há três razões adicionais que apoiam o motivo por que ‘senhora eleita’ se refere a uma congregação. Em primeiro lugar, a palavra ‘igreja’ em grego é feminina em gênero, e ‘senhora’ concorda com isso. Segundo, a Igreja é descrita como ‘noiva’ em outros lugares nos escritos de João (Ap 21.2,9; 22.17). Terceiro, a palavra grega kyria (‘senhora’) se referia a uma subunidade social na cidade-estado grega. João pode ter usado essa palavra para designar uma congregação local, em lugar do vocábulo feminino mais comum ekklēsia. O v. 13 de 2João sugere que ele escreve de uma congregação (a qual ele chama de ‘sua irmã eleita’) para outra.”
2. Passagens bíblicas onde alguém é mencionado como tendo sido separado por Deus desde o ventre de sua mãe, como Paulo declara em Gálatas 1:15 acerca de si mesmo, são passagens que dizem respeito ao chamado para determinada missão divina. Consciente disso, o mesmo Paulo também escreveu que poderia ser reprovado, caso não permanecesse em Cristo até o fim (cf. 1Co 9:27 e Fp 3:7-14). Notemos que na epístola considerada a última escrita por Paulo antes do seu martírio, sabendo ele que havia chegado o momento da sua partida, suas palavras foram: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora a coroa da justiça me está guardada...” Ele não disse que a coroa da justiça (ou seja, a salvação em Cristo) estava guardada para ele desde o ventre da sua mãe, mas declarou “desde agora”, pois ele sabia ter chegado ao fim da carreira sem ter perdido a fé.
3. Dentre as dezesseis ocorrências de eklektós no plural, há uma ressalva para 1Tm 5:21, onde o termo “eleitos” não se refere a pessoas, mas aos anjos, a fim de se evocar a ideia de uma corte celestial em juízo.