Efésios 4:11
Efésios 4:11 é um dos versículos mais utilizados para se justificar a existência de cargos e títulos na igreja, inclusive o de pastor. Mas isso é um terrível equívoco! Ele decorre, primeiramente, da leitura desse versículo fora do seu contexto. Vejamos:

“E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres”
Efésios 4:11


Lido dessa forma, isoladamente, é natural que Efésios 4:11 seja entendido como uma lista de cargos eclesiásticos. No entanto, o contexto imediato anterior a esse versículo nos revela que o assunto não se refere a cargos ou títulos, mas ao exercício de dons. Você mesmo poderá comprová-lo, caso faça uma leitura atenta de Efésios 4:7-10.

Total ausência de títulos

Além da questão do contexto, devemos ainda considerar que, em todo o Novo Testamento, os termos “apóstolo”, “profeta”, “evangelista”, “pastor” e “mestre” nunca aparecem diante do nome de qualquer discípulo de Cristo. Isso nos revela que eles não eram entendidos como títulos. Se assim fosse, certamente encontraríamos, por exemplo: “apóstolo Pedro”, “profeta Ágabo”, “evangelista Felipe”, “pastor Tito” ou “mestre Apolo”. Ora, nem mesmo Paulo, que precisou defender o seu apostolado, não chamava a si mesmo de “apóstolo Paulo”. Ao invés disso, ele se apresentava como “Paulo, apóstolo de Jesus Cristo”, ou ainda: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado apóstolo” (Rm 1:1). O motivo é muito simples: todos esses termos não eram entendidos como títulos, mas como funções relativas a dons, isto é, referiam-se a um chamado do Senhor para o qual ele mesmo dava a capacitação necessária para cumpri-lo.

Pastores-mestres

Não é por acaso que, a depender da tradução, Efésios 4:11 declara: “pastores e mestres” ou “pastores e doutores”, pois o termo “pastor” está ligado ao dom do ensino. Neste caso, a partícula traduzida pela preposição “e” (kaí em grego), foi utilizada em Efésios 4:11 apenas entre essas duas palavras, indicando serem uma só função. Ainda que o “e” apareça na maioria das traduções entre um dom e outro, o fato é que, no original grego, o “kaí” só aparece no final do versículo, ligando a função pastoral com a de um mestre, ou seja, a função de ensinar. Vejamos uma proposta de tradução mais literal:

“E ele mesmo providenciou apóstolos, também profetas, também evangelistas, também pastores-mestres”
Efésios 4:11


Em grego koiné, quando dois substantivos plurais, unidos por “kaí”, compartilham o mesmo artigo definido, podem se referir ao mesmo grupo.1 Esse é o caso de “pastor” e “mestre” em Efésios 4:11, ambos referindo-se à mesma função.2

Mas, atenção! Essa função não era entendida como um cargo, ou posição de autoridade sobre uma congregação. Para saber mais a esse respeito, confira a análise do termo pastor em nosso Glossário.

Conclusão

Para que Efésios 4:11 seja corretamente compreendido, necessitamos considerá-lo dentro do seu contexto, ou seja, numa leitura que começa no versículo 1 e que prossegue até, no mínimo, o versículo 21 do mesmo capítulo. Lendo com a devida atenção, percebemos que o ensinamento é completamente contrário à ideia de hierarquia na igreja. Ao invés disso, o texto nos exorta à humildade entre os irmãos (v.2), à unidade de todos em Cristo (vv.3-6), à compreensão dos dons como graça de Deus (vv.7-11) para a edificação do corpo de Cristo (vv.12-14), o qual deve ser encabeçado (liderado) somente por Cristo (v.15), e ao qual devemos todos estar ligados em amor (v.16), sendo nele ensinados, pois a verdade se revela em Jesus (v.21).

Notas

1. Esse é um princípio gramatical do grego koiné (o grego do Novo Testamento) chamado de Regra de Granville Sharp. Ele afirma que, quando dois substantivos singulares e comuns (não nomes próprios) que se referem a pessoas são conectados por "καί" (kaí, "e") e o artigo definido "ὁ" (ho) aparece apenas antes do primeiro substantivo, então ambos os substantivos se referem à mesma pessoa. Essa regra foi usada por Granville Sharp para argumentar que Jesus é Deus, com base em versículos como Tito 2:13 e 2 Pedro 1:1.

2. A ideia de “pastor-mestre” foi defendida por eruditos conceituados, tais como F. F. Bruce, Harold Hoehner, John Stott e A. T. Robertson.

Escrito por Alan Capriles
Publicado em 07/09/2025

Autor: Sou um discípulo de Cristo sem rótulo denominacional, pesquisador independente do Novo Testamento e da história do cristianismo, dedicado a ensinar o evangelho e compartilhar meus conhecimentos gratuitamente, sem qualquer influência institucional, mas respeitando a todos que participam de qualquer denominação religiosa. Agradeço muito se puder apoiar o meu trabalho, seja com uma doação pontual ou mensal. Assim poderei que continuar me dedicando integralmente na pesquisa, no compartilhamento de minhas descobertas com você, e no auxílio gratuito a quem deseja congregar de modo mais simples, porém com maior edificação em Cristo. Imensa gratidão!
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