Um só pastor
Como se comprova pelas referências acima, o termo “pastor” é amplamente utilizado no Novo Testamento para se referir a Jesus. Com exceção de Efésios 4:11, não há outro versículo onde “pastor” se refira a qualquer outra pessoa que não seja o Senhor. Acrescente-se a isso o fato de que, dentre essas referências, encontramos algumas que nos fazem concluir que somente Cristo deve ser chamado dessa forma. Vejamos:
“Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido. Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai, e dou a minha vida pelas ovelhas. Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor.”
João 10:14-16
“Ora, o Deus de paz, que pelo sangue da aliança eterna tornou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus, grande pastor das ovelhas, vos aperfeiçoe em toda a boa obra, para fazerdes a sua vontade, operando em vós o que perante ele é agradável por Jesus Cristo, ao qual seja glória para todo o sempre. Amém.”
Hebreus 13:19-21
“Porque éreis como ovelhas desgarradas; mas agora tendes voltado ao Pastor e Bispo das vossas almas.”
1 Pedro 2:25
O caso Efésios 4:11
A única ocorrência de “poimén” que não se refere a Jesus Cristo, ou a criadores de ovinos, encontra-se em Efésios 4:11, versículo que tem sido utilizado por muitos para se validar o termo “pastor” como título. No entanto, o contexto imediato anterior nos revela que o assunto não se refere a títulos, mas ao exercício de dons (Ef 4:7-10).
Além disso, não é por acaso que, a depender da tradução, o versículo declara: “pastores e mestres” ou “pastores e doutores”, pois o termo “pastor” está ligado ao dom do ensino. Neste caso, a partícula traduzida pela preposição “e” (kaí em grego), foi utilizada em Efésios 4:11 apenas entre essas duas palavras, indicando serem uma só função. Ainda que o “e” apareça na maioria das traduções entre um dom e outro, o fato é que, no original grego, o “kaí” só aparece no final do versículo, ligando a função pastoral com a de um mestre, ou seja, a função de ensinar. Vejamos uma proposta de tradução mais literal:
“E ele mesmo providenciou apóstolos, também profetas, também evangelistas, também pastores e mestres”
Efésios 4:11
A função pastoral
Ainda que o termo “pastor” não fosse utilizado como um título, isso não significa que não exista o dom pastoral. Esse dom, no entanto, não era entendido pelos primeiros discípulos como uma posição de autoridade sobre os irmãos, mas como a tarefa de se alimentar o rebanho de Deus (1) com a doutrina de Cristo, e (2) seguindo o exemplo de Cristo. Sendo assim, o dom pastoral não se tratava de um cargo, mas do encargo de cuidar que a congregação siga apenas a Jesus Cristo, o Sumo Pastor das ovelhas. Esse encargo não se caracteriza somente pelo ensino, mas também pelo exemplo de se andar no Caminho. Isso fica muito claro nas orientações deixadas por Pedro para quem exercia o dom pastoral, com destaque para alguns trechos essenciais:
“Rogo aos anciãos que há entre vós, eu que sou ancião como eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que há de se revelar: Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de boa vontade; não como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa da glória. Semelhantemente vós jovens, sede sujeitos aos anciãos; e sede todos sujeitos uns aos outros, e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes.”
1 Pedro 5:1-5
1. Não havia a prática de se utilizar títulos entre os primeiros discípulos de Cristo, pois o próprio Senhor os havia proibido de agirem assim (Mt 23:8; Mc 10:42,43; Lc 22:24-27; Jo 13:13,14). Tal obediência se comprova pela leitura do Novo Testamento, onde jamais o nome de qualquer discípulo é antecedido pelo que hoje se entende como um título eclesiástico. Por exemplo, sabemos que Pedro e João foram apóstolos, porém não vemos escrito “apóstolo Pedro” e “apóstolo João” em parte alguma do Novo Testamento. Ocorre essa mesma ausência em relação a qualquer outro discípulo de Cristo, pois os seus nomes jamais são antecedidos pelo que hoje se consideram títulos, tais como bispo, pastor, presbítero, ancião, diácono, evangelista, profeta, entre outros. Essa é uma prova cabal de que esses termos não eram entendidos como títulos, mas como funções relativas a dons, isto é, referiam-se a um chamado do Senhor para o qual ele mesmo dava a capacitação necessária para cumpri-lo.
2. As traduções “Almeida Revista e Corrigida” e “Almeida Corrigida Fiel” utilizam o termo “pastor” em Hebreus 13:7 e Hebreus 13:17. No entanto, o termo grego “poimén”, que corresponde a “pastor”, não aparece nesses versículos. Em toda a epístola aos Hebreus “poimén” aparece apenas uma vez, em Hebreus 13:20, referindo-se ao Senhor Jesus como sendo o “grande pastor das ovelhas.” Outras traduções introduzem “pastores” em Judas 12, porém o termo “poimén” não aparece no original grego da carta de Judas.
3. Em nosso Glossário há uma análise do termo apóstolo, o qual também não se tratava de um título.