O substantivo “metánoia” (μετάνοια), correspondente ao verbo grego “metanoéô” (μετανοέω), possui um significado mais profundo do que apenas um “arrependimento”, como costuma ser traduzido.2
Em língua portuguesa, “arrependimento” se entende como um “lamento, ou pesar, por algum mal que se cometeu”, porém “metánoia” não se trata de um sentimento. Esse termo grego, seja como verbo ou substantivo, compõe-se por duas outras palavras, por meio das quais se revela o seu significado:
Sendo assim, “metanoéo” e “metánoia” possuem o significado de mudança de compreensão, ou pensar de modo diferente.3
No entanto, tendo em vista que Jesus Cristo e João Batista não pregavam em grego, o termo “metánoia” certamente é a tradução do imperativo aramaico שׁוּבוּ (shûvû), correspondente ao verbo hebraico שׁוּב (shuv, que significa “voltar”, Strong: H7725), cujo sentido é o de voltar o coração para Deus em passagens como Dt 4:30; 30:2,10; 1Sm 7:3; Sl 22:27; 51:13; Lm 3:40; 5:21; Ez 3:19; 14:6; 18:21,32; 33:11; Dn 9:13; Os 6:1; 14:1; Jl 2:12; Jn 3:10; Zc 1:3; Ml 3:7; 4:6.
A proclamação de Jesus Cristo em Marcos 1:15, por exemplo, trata-se não somente de um apelo a mentes transformadas, mas da urgência do reino de Deus em nossas vidas, ou seja, que por meio da fé nele o seu Espírito Santo transforme o nosso coração e nos governe. De igual modo, João Batista, precursor de Jesus, exigia que a “metanóia” (mudança de pensamento requerida por ele para haver o batismo) viesse acompanhada de bons frutos, isto é, de atitudes práticas resultantes da vontade de Deus em ação, tais como a misericórdia, a honestidade e a abnegação – virtudes ilustradas por João em Lucas 3:8-14.
Ver também: Reino, Espírito Santo e Fruto
1. Os termos “metanoéo” e “metanóia” não aparecem no Evangelho Segundo João. Isso reforça a tese de que esse evangelho tenha sido escrito para fortalecer a fé de quem já havia se convertido a Cristo.
2. Jerônimo de Estridão, em sua Vulgata (tradução da Bíblia para o latim concluída em 405 d.C), cometeu o estranho equívoco de traduzir “metanoéo” como “poenitentiam agite”. Isso resultou na expressão “fazei penitência” que se encontra em todas as Bíblias de língua portuguesa baseadas na Vulgata – salvo as edições que foram revisadas. Tal equívoco não apenas impediu o correto entendimento do evangelho, como também motivou muitos religiosos a maltratarem os seus próprios corpos, imaginando ser essa a vontade de Deus, ou seja, uma “autopenitência”. Porém, embora a tradução “arrependei-vos” seja menos danosa, ela também não expressa corretamente o significado de “metánoia”, assim como “emendai-vos”, que foi o termo originalmente escolhido por João Ferreira de Almeida em sua tradução no século XVI.
3. Há duas versões mais recentes do Novo Testamento onde os tradutores ousaram romper com o tradicional “arrependei-vos”, e traduziram metanoéo não por apenas uma palavra, mas expressando o seu correto sentido. Segue o modo como essas versões apresentam Marcos 1:15, com destaque para a tradução de metanoéo:
“Completou-se o tempo e ficou próximo o reino de Deus. Mudai de mentalidade e acreditai na boa-nova.”
(Tradução de Frederico Lourenço)
“Completou-se a ocasião e está à mão o reinado de Deus. Mudai de mente e fiai no bom anúncio.”
(Tradução de Marcelo Musa Cavallari)
Escrito por Alan Capriles
Atualizado em 30/06/2025